Cerrado: mais ameaçado que a Amazónia

Há uma importante área natural no Brasil onde nascem os maiores rios do país e que tem sido fortemente desflorestada. Pensou em Amazónia? Pois a resposta certa é cerrado. Se nunca ouviu falar deste bioma que existe unicamente na América do Sul, não está sozinho: de facto, embora esteja mais ameaçado do que a Amazónia, o cerrado é desconhecido para a maior parte das pessoas.

O cerrado ocupa quase um quinto do Brasil e assemelha-se a uma savana com vegetação mais densa e cerrada (daí o seu nome), formada por arbustos e árvores pequenas, num solo pobre em nutrientes mas rico em minerais (ferro e alumínio). A vegetação do cerrado consegue recolher a água que cai intensa mas concentrada em poucos meses do ano e é ela que assegura a existência de numerosas nascentes. De facto, no cerrado estão nascentes dos três maiores rios da América do Sul: rio Amazonas e Tocantins, rio São Francisco e rio Prata.

Muito ainda está por estudar no cerrado, mas sabe-se que este bioma é um hotspot de biodiversidade: aqui ocorram milhares de plantas raras e centenas de animais ameaçados de extinção como o jaguar, o tamanduá-bandeira, o tatu-canastra e o lobo-guará.

Embora seja um bioma vital para o país, atualmente estima-se que cerca de 50% do cerrado original tenha sido desflorestado (contra 18% da floresta Amazónica).

Um estudo recente sobre “Global Change Biology” veio provar a existência de um círculo vicioso surpreendente: a desflorestação do cerrado poderá ser uma das principais causas da diminuição das chuvas locais nos anos mais recentes (devido à redução drástica da evapotranspiração); a queda dos níveis de pluviosidade tem tido consequências desastrosas para a agricultura de larga escala, que é ironicamente o principal motivo da desflorestação. Anos seguidos de seca têm começado também a ter consequências no rio Amazonas, cujo caudal é fortemente dependente das chuvas sazonais que ocorrem sobre o cerrado.

A Nemus está a terminar a elaboração do Plano de recursos hídricos da bacia hidrográfica do rio São Francisco (PRHSF), cuja metade da área corresponde ao bioma cerrado, que tem vindo a ser gradualmente substituída por campos agrícolas e por outros usos humanos. Travar este processo é uma meta que só será possível alcançar através de uma correta gestão do uso da água e dos solos, compatibilizando carências e disponibilidades e definindo prioridades. O PRHSF contém um conjunto de medidas e planos de ação para garantir a sustentabilidade desta bacia hidrográfica que se estende por 650.000km2 e onde habitam 15 milhões de pessoas.

Artigo original (em inglês apenas) do “The Washignton Post” aqui.